8 de jan. de 2025

Junior minings: Brasil atrai nova geração de mineradoras estrangeiras

Com foco em produtos como lítio e terras raras, mineradoras do Canadá e da Austrália investem bilhões em projetos para a transição energética


              Por Rikardy Tooge


Uma transformação silenciosa está em curso no interior do país — financiada por investidores estrangeiros. Mineradoras menores, conhecidas como junior minings, estão desbravando a produção de minerais críticos como lítio e terras raras, todos essenciais para a transição energética global.

Com capital vindo de australianos, canadenses e americanos, essas empresas apostam no potencial brasileiro para atender à crescente demanda por tecnologias limpas.

Mas o que são junior minings? Essas empresas, geralmente avaliadas em cerca de US$ 500 milhões, têm como principal objetivo desbravar o setor mineral, focando na descoberta e exploração de novas reservas – justamente o oposto do que fazem as petroleira juniores (“junior oils“), que costumam comprar campos maduros da Petrobras para operar, a exemplo de Prio, Brava Energia e PetroReconcavo.

No caso das mineradoras juniores, é um modelo de alto risco, mas com potencial para grandes retornos — especialmente em um mercado que pode ultrapassar US$ 1 trilhão até 2030, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA).

A chegada dessas empresas foi impulsionada por mudanças regulatórias, como a criação da Agência Nacional de Mineração (ANM) em 2017. Antes, mineradoras podiam manter direitos sobre áreas sem desenvolvê-las. Agora, quem não cumpre os cronogramas de pesquisa perde o direito sobre a área, que é devolvida ao governo e pode ser leiloada. “Isso traz mais segurança jurídica”, explica Rafael Marchi, diretor-executivo para infraestrutura da Alvarez & Marsal Brasil. A celeridade dada pelos governos estaduais na emissão de licenças também foi vista como outro fator positivo.


Mineração de terras raras. Foto: Bloomberg

Essas mudanças ajudaram a diversificar um mercado que, até pouco tempo atrás, era dominado por empresas familiares focadas na exploração de minério de ferro. Hoje, o objetivo é explorar minerais estratégicos para baterias de carros elétricos, turbinas eólicas e painéis solares. Somente em 2022, o Brasil produziu R$ 33,1 bilhões em minerais ligados à transição energética, representando 14,8% da produção mineral do país, segundo dados mais recentes da ANM.

“O Brasil é um hotspot na atração de recursos para mineração”, afirma Marcelo Carvalho, diretor-executivo da Meteoric Resources, uma junior mining australiana listada na Bolsa de Sydney. A empresa investirá US$ 400 milhões até 2027 para explorar terras raras, essenciais na fabricação de ímãs para baterias, em Poços de Caldas (MG). 

A área foi descoberta por um geólogo independente em 2012 e vendida para a Meteoric pouco após a pandemia. “Quando estudamos o projeto, vimos que poderíamos ter uma das principais reservas do mundo, com mine life [vida útil] estimada em 100 anos e custos competitivos em relação à China.”

Os estudos indicam que as terras raras brasileiras têm concentrações superiores às chinesas, o que significa menor esforço de exploração para resultados equivalentes. Esse diferencial reforça o protagonismo do Brasil em um mercado dominado pela China, que controla 99% da produção global.


O protagonismo australiano

A Meteoric, hoje avaliada em US$ 125 milhões, está longe de ser a única empresa australiana a investir em minerais críticos no Brasil. Marchi, da Alvarez & Marsal, diz que houve um aumento considerável de empresas com sede na Austrália assumindo áreas no Brasil. “Nos últimos cinco anos, vimos um salto de uma ou duas empresas para cerca de 40 projetos ativos no país”, afirma. 

A familiaridade dos investidores australianos com o setor mineral explica esse movimento. “Ali existe uma cultura forte. As pessoas físicas investem em mineradoras e conhecem as empresas. Aqui no Brasil, a maioria só conhece a Vale”, diz Carvalho, da Meteoric.

“Infelizmente, eu tenho pouco a ganhar falando com a mídia do Brasil. Quem realmente importa já nos conhece”, relata o CEO de uma junior mining estrangeira que opera no país e prefere não se identificar, ouvido pelo InvestNews.

Entender a dinâmica de uma junior mining é importante para lidar com o alto risco do setor, lembram os entrevistados. Segundo Marchi, apenas um terço dos projetos globais de mineração atinge a operação comercial. “É uma questão de alocação de capital de risco. Fundos australianos e canadenses já incluem esses investimentos em seus portfólios, algo que ainda falta no Brasil”, explica o especialista.

“Talvez falte um pouco mais de hábito e conhecimento técnico dos fundos brasileiros para investir nesse tipo de projeto”, avalia Bernardo da Veiga, CEO da Brazilian Rare Earths (BRE), mineradora listada na bolsa australiana desde o fim de 2023. “Todo fundo de investimento australiano tem um geólogo, um engenheiro de minas, pessoas técnicas que entendem de mineração.”

A BRE levantou cerca de US$ 90 milhões no mercado de capitais da Austrália para financiar a exploração de uma área de 1.410 km² de terras raras em Jequié (BA), e os estudos iniciais também já identificaram concentrações significativamente superiores às chinesas. Apesar dos números iniciais animadores, a empresa ainda está em fase piloto e busca por licenças. Não há previsão para o início das atividades.

Outro exemplo do apetite australiano foi na compra da brasileira Latin Resources pela Pilbara, num negócio avaliado em US$ 370 milhões, feito em agosto do ano passado. A Latin Resource possui um projeto de lítio em Salinas, município localizado no Vale do Jequitinhonha (MG), com início das operações previsto para o início de 2026.


Mas não é só Austrália

Os investidores canadenses também têm participação significativa no setor. Um exemplo é a Sigma Lithium, controlada pela brasileira Ana Cabral. A empresa fez seu IPO na Bolsa de Toronto em 2018 com valor de mercado de US$ 95,6 milhões e hoje está avaliada em US$ 1,45 bilhão.

Localizado também no Vale do Jequitinhonha, referência no Brasil quando o assunto é lítio, o projeto entrou em operação em 2023 e chegou a atrair interesse de gigantes como Tesla e BYD, mas a queda nos preços do mineral colocou as negociações para uma aquisição em compasso de espera.


Produção de lítio da Sigma Lithium, mineradora controlada por brasileira e listada no Canadá, em Minas Gerais (Bloomberg)

Outro caso de destaque é o projeto Serra Verde, em Goiás, que já produz óxido de terras raras comercialmente. Com meta de alcançar 5 mil toneladas anuais até 2026, a empresa recebeu, em outubro, um aporte de US$ 150 milhões de investidores como Denham Capital, Energy and Minerals Group (EUA) e Vision Blue Resources (Reino Unido).


Brasil avança no financiamento

Embora os estrangeiros estejam à frente, o Brasil também está se movimentando. Um exemplo é o fundo criado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em parceria com a Vale, que recebeu um aporte inicial de R$ 500 milhões (R$ 250 milhões de cada instituição) e deve atrair até R$ 1 bilhão no total.

Batizado de ORE JGP BB Minerais Estratégicos, o fundo visa financiar projetos em minerais essenciais para a transição energética, como lítio, níquel, cobre e terras raras, além de fósforo e potássio para fertilizantes. Em outra frente, o BNDES lançou um programa, de R$ 5 bilhões, para estimular negócios voltados a desenvolver a cadeia desses minerais.

Ainda há muito espaço para crescimento, lembram os entrevistados. O Brasil possui apenas 220 minas de operação comercial relevante, muitas delas focadas no minério de ferro. Apesar das milhares de licenças anuais emitidas pela ANM, o caminho até a operação comercial é caro e longo: pode levar mais de uma década, segundo o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).

Entretanto, o cenário é promissor para o país, desde que a regulação e os investimentos caminhem na mesma direção. “Com os incentivos certos, o Brasil pode liderar a transição energética mundial”, avalia Carvalho, da Meteoric.






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