A derrota do simbolismo anti-imperialista frente ao pragmatismo norte-americano
Ricardo Fan - A recente troca de declarações e medidas entre o presidente colombiano Gustavo Petro e o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump exemplifica mais um capítulo da complexa dinâmica da guerra híbrida contemporânea. Essa guerra, caracterizada por uma combinação de pressões políticas, econômicas e narrativas, tem como campo de batalha não apenas as instituições diplomáticas, mas também a opinião pública e o cenário internacional. Os acontecimentos recentes demonstram como o peso da hegemonia norte-americana ainda prevalece, mesmo diante de desafios simbólicos.
Petro vs. Trump: uma postura bufona e ineficaz
O conflito começou com a imposição de sanções dos Estados Unidos contra a Colômbia, uma medida que, sob o discurso de Trump, buscava pressionar o governo colombiano por desacordos políticos e migratórios. Em resposta, Petro declarou de forma contundente: “Resisti à tortura e resisto a você”, evocando seu passado como ex-guerrilheiro e seu enfrentamento a perseguições e ameaças no cenário político colombiano. A fala, no entanto, foi amplamente interpretada como uma tentativa de lacração política, mais voltada a inflamar sua base do que a oferecer uma solução realista para o problema.
Essa postura revelou-se um ato bufão e mal calculado, considerando o desgaste de sua popularidade na Colômbia. Petro tentou reforçar uma imagem de independência e soberania ao adotar um tom confrontador contra os Estados Unidos, alinhando-se a um discurso anti-imperialista que historicamente mobiliza setores da esquerda latino-americana. Contudo, o gesto foi rapidamente desmascarado pelas consequências práticas das sanções, que expuseram os limites de sua retórica. Com uma base política já desgastada por desafios internos, a movimentação acabou reforçando críticas sobre sua incapacidade de lidar de forma pragmática com questões de grande relevância internacional.
O recuo e a vitória de Trump
Dias após o embate inicial, a narrativa mudou drasticamente. Sob pressão das sanções, o governo colombiano cedeu às demandas de Washington e ajustou sua política de deportação de migrantes. Em resposta, Trump suspendeu as sanções, celebrando a decisão como uma vitória de sua estratégia de pressão. Esse desfecho não apenas expõe os limites da resistência de Petro, mas também reafirma o poder de barganha que os Estados Unidos mantêm sobre nações em desenvolvimento.
O recuo colombiano foi amplamente criticado por opositores de Petro, que viram na decisão uma contradição ao discurso inicial de soberania e resistência. Enquanto Petro buscava projetar uma imagem de liderança autônoma, a decisão final acabou reforçando a ideia de que, na prática, a Colômbia ainda depende profundamente de relações pragmáticas com os Estados Unidos. Com uma taxa de aprovação em queda no país, as falhas de Petro no cenário internacional apenas somaram-se à percepção interna de ineficiência e perda de rumo político.
A reação do governo Lula e a hipócrita comparação
No Brasil, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva também enfrentou um dilema relacionado à questão migratória durante as mesmas sanções impostas por Trump. A situação ganhou destaque após imagens de brasileiros deportados dos Estados Unidos sendo acorrentados, uma prática que gerou forte indignação na opinião pública brasileira. Lula condenou a ação, mas sua postura foi alvo de críticas devido ao silêncio de seu governo sobre episódios semelhantes que ocorreram durante a administração de Joe Biden.
Dados mostram que, no governo Biden, os números de deportações de brasileiros já eram significativamente altos. Desde 2021, milhares de brasileiros foram deportados dos Estados Unidos, mas os dados mais recentes indicam que, durante o atual governo Lula, o número de deportados continuou expressivo, com diversas denúncias de condições precárias e tratamento degradante. Isso evidencia que a ação não é exclusiva de Trump, mas uma continuidade de políticas migratórias rigorosas adotadas pelo governo democrata. Além disso, considerando o tempo curto entre a imposição das sanções e as deportações, é improvável que os casos tenham se iniciado exclusivamente sob Trump. Isso sugere que muitos processos já estavam em tramitação durante o governo Biden, mas foram acelerados e usados politicamente por Trump.
O debate também se estende a hipóteses futuras. Se Kamala Harris, vice-presidente de Biden, estivesse na presidência, o cenário dificilmente seria diferente. Os mesmos deportados provavelmente enfrentariam condições similares, dada a continuidade de políticas migratórias duras pelos democratas. Essa constatação enfraquece a narrativa de que apenas governos republicanos adotam medidas severas contra migrantes.
A Guerra Híbrida e seus significados
A disputa entre Petro e Trump é um exemplo emblemático de como a guerra híbrida opera em múltiplos níveis. De um lado, temos a pressão econômica, com as sanções funcionando como uma ferramenta para forçar mudanças políticas em governos considerados desafiadores pelos Estados Unidos. De outro, a batalha narrativa, na qual declarações simbólicas como a de Petro tentam galvanizar apoio interno e internacional, mas muitas vezes esbarram nos limites impostos por relações de poder desiguais.
A vitória de Trump nesse episódio não se limita à suspensão das sanções. Ela também reforça a percepção de que o aparato de influência dos Estados Unidos – que combina sanções, alianças estratégicas e uma narrativa de autoridade moral – ainda é uma força praticamente incontestável no hemisfério ocidental. Para Petro, o episódio representa uma derrota significativa, minando sua tentativa de consolidar um discurso de autonomia em um contexto global onde as relações de dependência permanecem profundamente enraizadas.
A batalha entre Gustavo Petro e Donald Trump é um reflexo das tensões que definem a política global contemporânea. Embora Petro tenha buscado desafiar o peso da hegemonia norte-americana com um discurso de resistência, as limitações impostas por fatores estruturais o levaram a um recuo que fortaleceu a narrativa de Trump. Esse episódio destaca não apenas as dinâmicas de poder desiguais, mas também os desafios enfrentados por líderes que tentam navegar entre o simbolismo da resistência e as realidades pragmáticas de um sistema internacional dominado por potências consolidadas.
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