Donald Trump nos confronta com nós mesmos. A sua franqueza carnívora expõe as nossas fraquezas herbívoras. Expõe as nossas escolhas erradas
Mario Sabino - Muitos brasileiros ficaram indignados com Donald Trump por causa da resposta que ele deu à pergunta sobre como seriam as relações, a partir de agora, dos Estados Unidos com a América Latina e com o Brasil.
“A relação é ótima. Eles precisam de nós muito mais do que precisamos deles. Não precisamos deles. Eles precisam de nós. Todo mundo precisa de nós”, disse o presidente americano à jornalista Raquel Krähenbühl.
No mundo animal, Donald Trump seria um carnívoro solto entre herbívoros — ou seja, todos nós, que obedecemos aos códigos tradicionais da diplomacia e acreditamos piamente que as nações podem colocar a solidariedade e o idealismo à frente de interesses econômicos e militares.
A metáfora é de Emmanuel Macron, ao comentar a vitória do republicano. “O mundo é feito de herbívoros e de carnívoros. Se decidirmos continuar a ser herbívoros, os carnívoros vencerão e nós seremos um mercado para eles”, disse o presidente francês.
É uma imagem feliz. Donald Trump nos confronta com nós mesmos. A sua franqueza carnívora expõe as nossas fraquezas herbívoras. Expõe as nossas escolhas.
Somos nós, brasileiros, que escolhemos ser desimportantes para os Estados Unidos. O que é o Brasil, no contexto das nações? Um gigante bobão, comandado por uma fauna política sem projeto que não o de dilapidar a sociedade.
Os números estão aí. Como os brasileiros podem querer ser relevantes, se a sua participação no comércio mundial é de menos de 1%, a mesma que era em 1980? Se nos comprazemos em ser exportadores de commodities?
Qual pode ser relevância de um país cuja bolsa de valores teve, em 2024, um dos piores desempenhos entre todas as outras dignas deste nome? Um país que representa ridículos 0,5% da carteira de investimentos do mundo e entre diminutos 6% e 7% nas carteiras de mercados emergentes?
Qual é a produção tecnológica do Brasil? Insignificante. No Índice Global de Inovação do ano passado, ficamos em 50º no ranking de 133 países. Para se ter ideia, em 2022, a China fez 70.015 pedidos de patentes, os Estados Unidos fizeram 59.056 e o Brasil, somente 548. Não mudou nada de dois anos para cá.
Guardadas as devidas e enormes diferenças, provocada por Donald Trump, a Europa também se vê confrontada consigo própria: com o seu excesso de regulação, com as suas escolhas enérgicas caras, com o seu modelo social impagável, com o envelhecimento da sua população, com o empobrecimento da sua classe média, com a sua dependência militar dos americanos.
Os europeus, no entanto, partem de um patamar de riqueza material e intelectual muito mais elevado do que o dos brasileiros para fazer frente aos Estados Unidos de Donald Trump.
O que o Brasil deveria fazer neste mundo de competição carnívora? O primeiro passo seria enxergar-se do tamanho que é. Isso não significa ser vira-lata, mas ter princípio de realidade e, a partir daí, seguir no caminho certo. Somos desimportantes por culpa nossa. Por causa das nossas opções erradas desde sempre. Ninguém no mundo precisa do Brasil. A julgar pela maneira com a qual se comportam, nem os brasileiros precisam do Brasil.
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