Falta de avião da FAB impede transplante de coração em criança
Menino de 12 anos, de Brasília, deixou de receber órgão de doador de Minas
Avião da FAB transportou coração de Jaraguá do Sul (SC) a Brasília, em 4 de agosto de 2015. A distância é de 1,5 mil quilômetros. Um homem de 42 anos recebeu o coração de um doador de 16 anos. Foto Cabo André Feitosa/Força Aérea Brasileira. - Andre Feitosa
VINICIUS SASSINE - Gabriel tem 12 anos e precisa de um coração novo. Doadores para crianças na fila de espera são raros. Doações de coração, então, são raríssimas. O órgão é o que tem o menor tempo de isquemia — o menor período em que pode ficar sem irrigação sanguínea nenhuma: quatro horas, o prazo completo para trocar de peito. No primeiro dia do ano, o menino de Brasília teve uma oportunidade real de transplante. O coração novo, porém, não chegou ao Planalto Central.
O órgão surgiu em Pouso Alegre (MG), a menos de mil quilômetros de Brasília, e a oferta foi oficialmente feita pela Central Nacional de Transplantes à central de regulação no Distrito Federal. A equipe que cuida de Gabriel nem embarcou: faltou um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para buscar o coração em Minas.
A FAB confirmou ao GLOBO que recebeu o pedido para o transporte do órgão e que “não pôde atender por questões operacionais.” O episódio passou a ser investigado pela FAB: “As circunstâncias envolvidas no caso estão sendo apuradas”, diz nota do Centro de Comunicação Social da Aeronáutica à reportagem.
Pouco mais de uma semana depois, Gabriel continua na lista de espera por um coração. Em Brasília, são duas crianças na fila: Gabriel e Laura, uma bebê de nove meses. A perda da oportunidade, por falta de transporte, foi considerada grave pela equipe médica, gerou mobilização e revolta de profissionais e vem sendo cercada de sigilo.
O sistema de transplante de órgãos, quase que inteiramente feito por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), é considerado eficiente. Mas não está imune a falhas, em especial o transporte interestadual de órgãos. O GLOBO apurou que o caso de Gabriel não é o único. Em Brasília, ao longo de 2015, houve outras recusas, em especial de coração, por falta de uma aeronave da FAB ou comercial.
Gabriel é acompanhado no Instituto de Cardiologia do DF, o único em Brasília a fazer transplante de coração. O instituto não divulgou boletins médicos sobre a saúde do garoto e não permitiu o acesso à família. O hospital confirmou que, no dia 1º, a equipe médica não embarcou para Minas para fazer a avaliação do coração por falta de transporte.
CONDIÇÕES PARA TRANSPLANTE ERAM FAVORÁVEIS
A Central Nacional de Transplantes fez a oferta do coração a diferentes centrais locais, entre elas a do DF. No e-mail disparado às centrais já foi informada a falta de logística para transportar o órgão. Até o primeiro semestre de 2014, cabia aos estados organizar essa logística. Agora, a Central Nacional cuida de horários, dias e disponibilidade de voos.
As condições eram favoráveis para o coração de Minas bater no peito de Gabriel. Pouso Alegre, a menos de mil quilômetros de Brasília, tem aeroporto. A Central Nacional de Transplantes não fez objeção à qualidade do órgão, apenas à falta de disponibilidade de aeronaves. E, naquele dia 1º, aviões da FAB não decolaram para transportar autoridades.
Em 30 de dezembro, uma aeronave da FAB decolou de Brasília a São Paulo para transportar o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski. No dia anterior, a FAB transportou de Brasília para o Rio o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Não houve voos nos dias 2 e 3.
Aeronaves da FAB já percorreram distâncias maiores para buscar um coração. Foi assim em 4 de agosto de 2015, quando um morador de Brasília recebeu um órgão de Jaraguá do Sul (SC), a 1,5 mil quilômetros. A FAB fez mais dois transportes de coração para Brasília em 2015. O segundo mais distante foi buscado em Arapongas (PR), a 1,1 mil quilômetros. Ministério da Saúde e FAB assinaram um acordo de cooperação técnica no fim de 2013 para priorizar o transporte de órgãos e tecidos.
— Já esbarrei em situações como essa. Quando vemos que não há transporte, já paramos o procedimento — afirma um médico que atua com transplantados de coração na capital.
O presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, Roberto Manfro, elogia o sistema de transplantes e diz que situações como a envolvendo o coração em Minas não são frequentes:
— Não existe sistema que funciona 100% o tempo todo. A falta de transporte ocorre em situações de estresse do sistema. Nessa área, a taxa de sucesso é alta e a atuação do poder público é elogiável. Agora, cada órgão que deixa de ser transplantado, uma pessoa deixa de ser beneficiada.
O GLOBO perguntou à FAB e ao Ministério da Saúde se a falta de disponibilidade de uma aeronave para buscar o coração em Minas estava relacionada a cortes de despesas em razão do ajuste fiscal e, consequentemente, à falta de combustível. As duas instituições não responderam. O ministério também não respondeu se o coração disponível para doação se perdeu. “O paciente G.L.A. encontra-se na lista nacional de espera por transplante, em caráter prioritário e com acompanhamento da sua situação de saúde”, informou.
O Ministério da Saúde afirmou ainda que o possível doador surgido no dia 1º estava em Itajubá, “a 40 minutos de carro de Pouso Alegre, onde fica a pista de pouso mais próxima”. O registro da Central Nacional de Transplantes diz que era Pouso Alegre.
“O tempo para a realização de todo o procedimento, desde a retirada do coração do peito do doador até seu implante no peito do receptor não pode ultrapassar quatro horas, sob pena de insucesso do procedimento. Esse exíguo tempo dificulta a sua realização da retirada e do transplante em casos em que o potencial doador se encontra no interior do país”, diz a nota do ministério.
“A existência de um potencial doador com morte encefálica confirmada não significa que seu coração, por exemplo, possa ser utilizado ou mesmo possa ser adequado ao candidato a receptor primeiro colocado na lista de prioridades para transplante ou para qualquer outro candidato a receptor na lista de espera”, completa. Segundo o ministério, em 2014 foram mais de 5 mil voos para transporte de órgãos, de graça, na aviação civil.
Nota 1: O subtítulo é o título original
Nota 1: O subtítulo é o título original
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