Centrão avança no projeto de tornar todas as emendas parlamentares obrigatórias e de controlar órgãos federais para distribuir esse dinheiro
Carlos Graieb - O processo de “centronização” do Brasil continua avançando. A palavra é tão horrorosa quanto o fenômeno que descreve. Refiro-me à concentração de poder nas mãos dos líderes do Congresso – não apenas poder político, mas principalmente controle sobre a execução do Orçamento federal. De um lado, o grupo avança sobre órgãos com grande capilaridade. De outro, prossegue na empreitada de tornar obrigatório o pagamento de todos os tipos de emenda parlamentar. Assim, vai enfeixando em suas mãos um domínio inédito sobre verbas e cargos, em detrimento do Executivo e, muito pior, em detrimento da racionalidade nos gastos públicos.
O projeto sofreu um pequeno revés nesta semana. O governo conseguiu deter o avanço do projeto que tornaria obrigatório o pagamento das emendas de comissões permanentes – as únicas que ainda podem ser contingenciadas pelo governo. Mas a ideia não foi abandonada, deve apenas cumprir mais etapas no processo legislativo. Os parlamentares também pretendem se apossar do calendário de liberação de emendas, outra ferramenta de negociação com o Congresso de que o Executivo ainda dispõe.
Esse é o lado das verbas. Na frente de ataque à máquina pública, Arthur Lira (foto) e sua patota abocanharam a presidência e doze diretorias da Caixa na semana passada. Eles, que já comandam a Codevasf e o Dnit, têm como próximos alvos o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), que o governo Lula havia extinguido, mas foi obrigado a recriar.
O que todos esses órgãos têm em comum é o poder de irrigar com verbas os redutos eleitorais dos deputados e senadores que participam do projeto de poder do Centrão. A recém-conquistada Caixa, por exemplo, administra o programa Minha Casa, Minha Vida, além de contar com quase R$ 500 milhões por ano, até 2026, para fazer publicidade.
Os congressistas têm o dinheiro das emendas assegurado e também mandam nas estruturas que podem direcioná-lo a regiões e municípios. É isso que estou chamando de “centronização”.
Não vou falar das possibilidades de corrupção que se abrem nesse mundo novo. Você sabe que elas são enormes. Quero chamar atenção para as distorções causadas por esse modelo de execução orçamentária, observáveis ainda que nem um único centavo seja desviado para os bolsos de larápios.
O montante destinado a emendas parlamentares no orçamento de 2023 representou 32% de todo o dinheiro disponível para despesas discricionárias: R$ 38 bilhões, de um total de R$ 118 bilhões. Como mostraram Paulo Hartung, Marcos Mendes e Fábio Giambiagi em um artigo publicado no final de 2022, a alocação dessas verbas pelos parlamentares, segundo interesses quase que exclusivamente paroquiais, acaba criando aquilo que os economistas chamam de tragédia dos comuns: “pessoas agindo racionalmente em favor do seu interesse próprio acabam prejudicando o interesse coletivo”.
Dito de outra maneira, serviços que dependem da coordenação entre níveis diferentes de governo acabam se desmilinguindo quando um poder excessivo sobre a execução do orçamento é transferido para 594 parlamentares, cada um com sua própria agenda.
Há muitos exemplos de que isso é verdade. Um estudo do Ipea divulgado em 2019, por exemplo, mostrou que o aumento da alocação de recursos por meio de emendas parlamentares causa desequilíbrios e desigualdades no SUS.
Recentemente, a Folha de S. Paulo publicou uma série de reportagens sobre como cidades do semiárido com padrinhos políticos fortes em Brasília concentraram o recebimento de recursos de prevenção à seca, a ponto de cisternas sem uso apodrecerem em depósitos, enquanto localidades vizinhas, com os mesmos problemas, mas sem representantes no Congresso, amargavam a ausência de qualquer transferência de verba.
O mesmo vale para a educação. Por exemplo: em 2022, Alagoas, o estado de Arthur Lira, que conta com 1,54% da população nacional, foi o que mais recebeu dinheiro do FNDE por meio de emendas parlamentares. Na época, o órgão era comandado por um aliado do senador de Ciro Nogueira, do mesmo PP do presidente da Câmara.
A questão foi bem resumida numa reportagem publicada pelo jornal O Globo no começo do segundo semestre. Segundo o texto, nos sete primeiros meses de 2023, órgãos parasitados pelo Centrão, como o Dnit e a Codevasf, haviam sido amplamente priorizados na liberação de emendas pelo governo Lula. Ambos têm a vocação de realizar obras e investimentos regionais.
Para defender esse sistema que combina emendas obrigatórias e controle político de organismos voltados a fazer obras regionais, os parlamentares costumam dizer que estão “promovendo o municipalismo”, ou coisa parecida. Balela. A “centronização” não promove a distribuição equitativa de recursos entre os municípios. Ela não garante, e até mesmo impede, que o dinheiro chegue aonde é mais necessário. Com perdão pela linguagem, o controle das verbas públicas se centraliza no Centrão e o gasto se materializa com a pior das lógicas, a do egoísmo político.
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