16 de mar. de 2021

General brasileiro fala sobre sua atuação como subcomandante para Interoperabilidade no Exército Sul dos EUA

É a segunda vez que este posto é exercido por um oficial general de uma nação parceira. Apenas quatro países participam dessa rotação: Brasil, Chile, Colômbia e Peru

Antes de assumir sua função como subcomandante para Interoperabilidade no Exército Sul dos EUA, o General de Brigada do Exército Brasileiro Alcides Valeriano de Faria Junior foi comandante  da 5ª Brigada de Cavalaria Blindada de Ponta Grossa, estado do Paraná. (Foto: Exército Sul dos EUA)

O general de brigada do Exército Brasileiro (EB), Alcides Valeriano de Faria Junior, é o subcomandante para Interoperabilidade do Exército Sul dos Estados Unidos (ARSOUTH, em inglês).

É a segunda vez que este posto é exercido por um oficial general de uma nação parceira. Apenas quatro países participam dessa rotação, que teve início em 2017, com o General de Brigada do Exército do Chile Edmundo Villarroel: Brasil, Colômbia e Peru.

O ARSOUTH é um dos componentes militares do Comando Sul dos EUA, que por sua vez é o comando combatente conjunto que coordena os interesses militares estratégicos dos EUA para a América do Sul, a América Central e o Caribe.

A poucos meses de passar a função para seu substituto, um general do Exército colombiano, o general Alcides concedeu a seguinte entrevista à Diálogo.

Diálogo: Quais são as suas funções principais como subcomandante para Interoperabilidade do Exército Sul dos EUA?

General de Brigada do Exército Brasileiro Alcides Valeriano de Faria Junior: Apoiar os esforços do Exército Sul e do Comando Sul dos EUA no sentido de desenvolver uma resposta multinacional para as necessidades de assistência humanitária e de facilitar e aprimorar a interoperabilidade entre os Estados Unidos e as nações amigas, em apoio à missão e às linhas de esforço do ARSOUTH, principalmente na ajuda humanitária e no apoio a desastres, além das operações e exercícios combinados multilaterais.

Diálogo: Na sua opinião, o que um oficial precisa para ser selecionado para o seu atual cargo?

Gen Bda Alcides: Acredito que, além de sua carreira militar, alguns aspectos sejam importantes, como a capacidade de trabalhar em equipe, o conhecimento do idioma e estar habituado a trabalhar em um ambiente multinacional, o que facilita muito.

Pessoalmente, acho importante você estar aberto a receber novas ideias e a entender a maneira como as pessoas resolvem os problemas de maneira distinta, sem soluções preestabelecidas.


Mas gostaria de salientar que cada país tem a liberdade para indicar o oficial que ocupará esse cargo, respeitando, por exemplo a ‘position description’ [descrição das funções a serem exercidas], o posto e a experiência profissional daquele militar, obviamente.

Diálogo: Por que o senhor acha importante ter um oficial general de uma nação parceira exercendo essa função?

Gen Bda Alcides: Acho importante pela oportunidade que o oficial general tem de participar da concepção e elaboração de uma atividade desde o seu início, e com isso poder aportar sua experiência regional ao evento.

Refiro-me ao modo pelo qual determinado país ou exército cumpre suas missões e que pode ser chamado de filtro ou componente cultural. Além disso, um oficial general pode abrir portas e estabelecer contatos em escalões mais elevados, bem como agilizar trâmites internos.

Essa qualidade só pode ser obtida por uma pessoa que esteja efetivamente integrada à organização, no caso, o Exército Sul dos EUA. E eu acho que esta é, precisamente, a minha maior contribuição como oficial general aqui: abrir portas, mantê-las abertas, facilitar o entendimento e a compreensão mútua, e mostrar que não apenas o Exército Brasileiro, mas todos os exércitos da nossa região, de um modo geral, podem se integrar e participar das atividades do ARSOUTH.

Considero, também, que o meu maior legado será a consolidação da participação de um oficial general de um país amigo como subcomandante no Exército Sul dos EUA.

Diálogo: O senhor considera que o idioma seja uma barreira para se obter a interoperabilidade plena?

Gen Bda Alcides: Não diria que seja uma barreira, mas apenas mais um desafio. O ideal é que todos aqui falassem o mesmo idioma. Mas temos consciência de que isso não é possível.

Então, esse é mais um aspecto de interoperabilidade que tem que ser trabalhado. Você tem que ter noção de que quando fala uma palavra, talvez seu interlocutor não tenha o completo entendimento do que quer dizer.

Diálogo: Pode dar um exemplo?

Gen Bda Alcides: Em português existe um termo – segurança, que se desdobra em duas palavras e dois conceitos em inglês, ‘safety’ e ‘security’ – com diferenças em sua aplicação e, por consequência, nas ações que estão por trás de cada uma dessas aplicações.

Por isso, acho importante que quando se começa a conceber um exercício combinado, você já deve aplicar o ‘filtro do idioma’ para adequar e ajustar os termos a fim de que a interoperabilidade fique o mais próximo da plenitude.

Diálogo: O senhor mencionou os exercícios combinados. O mais recente envolvendo o ARSOUTH e nações parceiras foi o Culminating. Pode falar da importância desse exercício e da participação dos militares brasileiros?

Gen Bda Alcides: Começo explicando o nome. Chamou-se Culminating porque foi o ponto culminante de um plano que se iniciou há cinco anos. Para que se obtivesse êxito em um exercício de alta intensidade e de alto nível como esse, com o Exército dos EUA – um dos exércitos mais bem treinados e poderosos do mundo – foi necessário um planejamento detalhado, uma logística meticulosa e um treinamento adequado.

As informações que recebemos até agora são as melhores possíveis. Tudo saiu a contento, com um excelente desempenho do nosso pessoal. Acredito que esse seja o primeiro aspecto relevante do exercício, ou seja, o fato de o Exército Brasileiro (EB) ter acabado de receber uma Companhia de Paraquedistas adestrada em seu nível mais alto.

O segundo aspecto que considero muito importante é que o exercício possibilitou o treinamento da capacidade expedicionária do EB, de deslocar uma tropa do Brasil para atuar em qualquer parte do mundo. Dessa forma, acaba sendo também um exercício de logística, já que você tem que transportar, além do pessoal, a munição e o armamento; e tudo isso em um ambiente de COVID-19.

Esse foi, sem dúvida, um fator complicador, que nos obrigou a tomar todas as precauções, fazer exames antes do embarque para confirmar se alguém estava contaminado, além de manter a tropa em quarentena por determinado período antes do início do exercício. Acredito, também, que o grande ganho tenha sido o aumento da interoperabilidade entre nossos exércitos, e isso tem tudo a ver com minha função no ARSOUTH.

Por fim, o Culminating serviu de modelo para exercícios com outros exércitos. A Colômbia, por exemplo, também vai enviar, no meio do ano, um pelotão para participar de exercício com militares americanos em Fort Polk, na Louisiana.

A ideia do comandante do ARSOUTH [General de Brigada do Exército dos EUA Daniel R. Walrath] é fazer, anualmente, um grande exercício de rotação com alguma nação parceira da nossa região.

Diálogo: Qual a principal lição aprendida na sua atual função no ARSOUTH?

Gen Bda Alcides: Acredito que a minha lição aprendida mais importante tenha sido entender e conhecer como funciona o processo de tomada de decisão do Exército dos Estados Unidos. Pude ver isso em situação de exercício e pude ver isso na vida real, quando os EUA conduziram o auxílio às vítimas e proporcionaram a distribuição de ajuda humanitária aos países da América Central atingidos pelos furacões Eta e Iota, em conjunto com forças militares das nações atingidas.

Por: Marcos Omatti, Revista Diálogo Américas

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